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#4 Filosofia, senso comum, ciência e mito.

Filosofia, para além de mero Amor à Sabedoria, como se entende no Communis Sensus do Establishment acadêmico brasileiro, de forma vazia e sem sentido, é como dirá o filósofo Olavo de Carvalho, “a unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice versa”.

Por senso comum, entende - se um certo conjunto de ideias e crenças, que se desenvolve como uma espécie de fluxo com certa continuidade e que, não de todo contínuo, é critério valorativo das próprias ideias e crenças que compõe-no. Por essa razão é comum se ouvir e dizer que “não é possível que tantas pessoas estejam erradas por muito tempo”, ou que “vox populi vox Dei”. Entretanto, o senso comum, mais que um conjunto de ideias e crenças, é, na verdade, a periferia do que se denomina consciência coletiva. Ou ainda, é a parte mais simples da consciência coletiva. Sensus, palavra Latina, quer dizer percepção, sentido. Communis, por sua vez, quer dizer algo cujo a propriedade, um dos predicados em Aristóteles e Sto. Tomás de Aquino, é ser normal em uma comunidade, grupo, tribo. Dessa forma, senso comum, é, em si e somente, a direção, por assim dizer, que uma comunidade, comumente, toma, no que se refere à hábitos, pensamentos, seja na política, religião, etc., etc. A “consciência coletiva”, entretanto, não é una com o que Freud chamara Corpo Psíquico, subconsciente, conforme ele propunha, de modo que as ações/escolhas de um sujeito, na verdade, sejam puramente efeitos desse subconsciente, que para ele.

A consciência coletiva não é um ente nem um organismo vivo. É somente uma expressão, uma nomenclatura usada para referir-se às ideias produzidas e reafirmadas pelos sujeitos que compõe a própria comunidade, num ato próprio. É justamente contra essa consciência coletiva e, consequentemente, contra a ideia de senso comum, que se volta a filosofia, de tempos em tempos. Com filosofia quero dizer não um mero comentário à ideias já proferidas, ou alguma releitura de alguma ideia antiga, como se vê nos dias de hoje em que a filosofia virou uma espécie de commodities, com professores como Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal, que vendem receitas e ideias que de nova não tem nada, nem seus engodos. Ou então, a filosofia como tratamento psiquiátrico. Com Filosofia, e faço questão de pôr o “éfe” em maiúsculo, quero dizer o esforço sóbrio e natural do ser humano, que tenta nortear-se nos entremeio de realidade, diria Eric Voegelin, de modo a estabelecer uma unidade de conhecimento, não que se atualiza na interioridade do indivíduo. É precisamente isso que Olavo de Carvalho quer dizer quando diz que “a filosofia é a unidade de conhecimento na unidade da consciência”.

O velho Aquinate, o Doutor Angélico, ao falar da consciência e da Sindérese, diz que a Sindérese é a fagulha da consciência, sendo um hábito natural, próprio do indivíduo, que através do ato, que ele define como sendo a consciência em si, deve ser trabalhada e desenvolvida.

As tragédias Gregas, do passado, tinham por objetivo a chamada da polis à uma espécie de consciência moral, da qual estavam distantes, por causa da fragmentação cultural que a Grécia vinha sofrendo. Com cultura, refiro-me ao conjuntos de elementos que devem ser cultivados. Cultura também está ligada, mais que etimologicamente, à culto, de modo que, cultivamos aquilo que tem algum valor transcendente. Esse valor, para Platão, era o Sumo Bem. Outra maneira de chamar à uma consciência moral era a utilização dos mitos na Grécia antiga. Mythos não era outra coisa se não narrativa, como se pode constatar na obra Poética, de Aristóteles, que consistia numa espécie de produto atenuado de intelectualidade, ou como dirá Nicola Abbagnano em seu magistral Dicionário de Filosofia: “a ele era atribuída, no máximo, verossimilhança, enquanto a verdade pertencia aos produtos genuínos do intelecto”, pelo qual se estabelecia uma apresentação das verdades superiores, acima das Leis da Cidade. O mito, então, era um tipo de discurso analógico, considerando que o prefixo aná, em grego, refere-se à algo superior, mais elevado, de modo que, por uma analogia, intenciona -se alcançar tal coisa mais elevada. Mas, conforme o senso comum de hoje, mito não passa de uma estória, atestada pela ciência como tal, que hoje assumiu uma autoridade tal que compete à ciência dizer o que é e o que não é verdade, mesmo que, cientificamente, a ciência não possa ser demonstrada. Scientia, conforme Aristóteles e S. Tomás consiste num método, que em grego é “caminho”, pelo qual se alcança a verdade de alguma coisa, somente sendo possível aos homens, não aos passarinhos ou lesmas, ou qualquer outro animal irracional. Inteligência, para o grego antigo, era a capacidade de se apreender a verdade, por assim dizer. Ciência é, ainda, conhecimento, de modo que, “com efeito”, dirá S. Tomás, “consciência é 'com ciência’, com conhecimento”. Se filosofia é a unidade do conhecimento na unidade da consciência, filosofia, de fato, é a genuína forma de se fazer ciência, para além de meras reproduções e testes em tubos de ensaio, ou acelerações de partículas. Ciência, de fato, é o conjunto de conhecimentos pelos quais se pode nortear-se nos entremeios de realidades.

Referências bibliográficas:

Carvalho, Olavo: Aristóteles em Nova Perspectiva; Introdução à Teoria dos Quatro Discursos, 1ª edição, Vide Editoral / junho de 2013. Carvalho, Olavo: A Dialeto Simbólica ; Estudos reunidos, 2ª edição, Vide Editorial / Setembro de 2015.

Aquino, Tomás de: A Sindérese é a Consciência; Questões disputadas sobre a Verdade, Questões 16 e 17, Ecclesiae / Tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga, 2015 Abbagnano, Nicola: Dicionário de Filosofia; Martins Fontes / Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi, Revisão da Tradução e Tradução de Novos Textos Ivone Castilho Benedetti, 5ª edição revista e ampliada 2007 Marías, Julián: Historia de la Filosofía; Biblioteca de lá Revista de Occidente / 32ª edición 1980.

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